A LUNETA DE GALILEU

  • 28/02
  • Crônicas
  • Nelson Moraes

Publicado na Revista Internacional do Espiritismo n. 8 setembro de 2011

O conhecimento espírita é como uma ferramenta que nos foi dada pela espiritualidade superior para que pudéssemos desvendar a natureza espiritual do ser humano e para compreendermos os mecanismos do universo, para então passarmos a viver harmonizados com a nossa mais ampla e profunda realidade.
Albert Einstein utilizando-se dos cálculos tensoriais e das expressões infinitesimais, ferramentas comuns aos cientistas da sua época, construiu seus teoremas que lhe permitiram alcançar definições no campo da física que o consagraram e lhe outorgaram o premio Nobel da Física em 1922.

        Assim como os conceitos científicos, utilizados como ferramenta, serviram para que Einstein viesse a alcançar novos conhecimentos sobre realidades até então desconhecidas, o Espiritismo deve ser considerado como a ferramenta que deverá ajudar o homem a alcançar o conhecimento das causas de todos os fenômenos e acontecimentos que ocorrem no Universo e no seio das coletividades humanas.
        Entretanto, se continuarmos com o Movimento Espírita sustentando conceitos e práticas equivocadas, semelhantes às de religiões retrógradas, alienando pessoas a atividades ditas doutrinárias que fogem aos padrões do bom senso, estimulando a credulidade exagerada em tudo que supostamente provém dos espíritos, não será ainda neste século que alcançaremos o objetivo a que se destina o Espiritismo.
        Não pretendemos um Espiritismo estritamente científico e nem tão pouco simplesmente filosófico, e muito menos extremamente religioso, mas sim, fundamentado na união e harmonização dessas três forças que formam o tripé que deverá ser o sustentáculo para nortear a verdadeira prática doutrinária.
         O Espiritismo como toda a verdade descoberta pelo homem, passa pelos períodos de consolidação e de adequação.
         Galileu Galilei (1564-1642), com uma Luneta rudimentar construída por ele segundo orientação de um catálogo, passou a observar os astros, o que lhe permitiu consolidar a verdade já descoberta por Copérnico. Consequentemente a cultura humana teve que se adequar à realidade de que a Terra é que gira em torno do sol.
        Uma verdade descoberta e consolidada não se altera, mas os instrumentos com os quais chegamos a ela, estes sim evoluem e se aprimoram. Da Luneta primitiva de Galileu chegamos ao Telescópio Espacial Hublle.
        A mediunidade foi a Luneta usada por Allan Kardec para devassar o mundo invisível. Um recurso orgânico que não depende do moral e nem da evolução do médium segundo orientação dos espíritos que consta no livro: “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo XXIV, item: “A Candeia Debaixo do Alqueire”, e em outras obras da Codificação. Sendo a mediunidade uma condição orgânica que não depende do moral e nem da evolução do encarnado que a possui, entendemos que não é uma virtude inerente às qualidades do espírito, mas sim um recurso que lhe foi emprestado pela Providência Divina através de uma condição orgânica alterada, cuja particularidade permite que sirva de instrumento de comunicação dos espíritos. Esse recurso estabelecido pelos Espíritos Superiores que auxiliam no processo evolutivo do ser humano tem sido utilizado desde os primórdios da humanidade.

         Se a mediunidade depende do organismo, creio que é humanamente impossível alguém alterar a constituição do corpo para desenvolvê-la, em face disso, fica posto que é preciso renascer com essa característica orgânica para que sejamos dotados de mediunidade.

         O espírito Channing, no Livro dos Médiuns, capítulo XXXI, afirma à Kardec: “Todos os homens são médiuns, todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando sabem escutá-lo. Agora, que uns se comuniquem diretamente com ele, valendo-se de uma mediunidade especial, e que outros não o escutem senão com o coração e com a inteligência, pouco importa: não deixa de ser um Espírito familiar quem os aconselha: Chamai-lhe espírito, razão, inteligência, é sempre uma voz que responde à vossa alma, pronunciando boas palavras. Apenas, nem sempre as compreendeis. Nem todos sabem agir de acordo com os conselhos da razão, não dessa razão que antes se arrasta e rasteja do que caminha, dessa razão que se perde no emaranhado dos interesses materiais e grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo, que o transporta a regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o poeta, pensamento divino que inspira o filósofo, arroubo que arrebata os indivíduos e povos, razão que o vulgo não pode compreender, porém que ergue o homem e o aproxima de Deus, mais que nenhuma outra criatura, entendimento que o conduz do conhecido ao desconhecido e lhe faz executar as coisas mais sublimes”.

“Escutai essa voz interior, esse bom gênio, que incessantemente vos fala, e chegareis progressivamente a ouvir o vosso anjo guardião, que do alto dos céus vos estende as mãos. Repito: a voz íntima que fala ao coração é a dos bons Espíritos e é deste ponto de vista que todos os homens são médiuns”.

 É evidente que Channing está se referindo a inspiração, aquela voz que ecoa na consciência de todos os seres humanos, a voz da razão, como ele afirma, uma voz íntima. Porém, essa característica inerente ao ser humano não o faz um médium apto a se tornar um instrumento de comunicação dos espíritos para que eles possam trazer informações exatas e desconhecidas dos encarnados e dele mesmo. Somos inspirados constantemente por cenários da natureza, por pessoas, por acontecimentos, assim como muitas vezes servimos de inspiração para alguém. É inegável que encarnados e desencarnados se influenciam mutuamente, mas isso não nos torna médiuns de fato.

Vivemos o século em que os espíritas para sustentar os padrões de credibilidade em suas realizações, terão que abdicar da idéia equivocada de que todos são médiuns e que a mediunidade pode ser desenvolvida em cursos programados pelas instituições. Esse conceito e a prática dessa metodologia de ensino doutrinário induziu milhares de neófitos a se acreditarem médiuns, cujas atividades e realização ditas mediúnicas comprometem a credibilidade das instituições que os colocam em trabalho de forma aleatória, apenas porque concluíram o aprendizado mediúnico.
        Tal qual a Cosmologia moderna já não depende mais da Luneta improvisada de Galileu, o Espiritismo para alcançar seus elevados objetivos não depende mais dos mecanismos da mediunidade, mas sim de mentes iluminadas pelo clarão do Consolador Prometido.
         Neste século a mediunidade deverá ceder lugar às virtudes, através das quais o ser humano afrouxará os laços que o prendem ao corpo físico possibilitando o desenvolvimento de aptidões que lhe permitirão interagir com o mundo espiritual de forma natural através da capacidade de se desdobrar mesmo durante a vigília e conversar diretamente com os espíritos sem necessitar para isso de um corpo orgânico alterado.

 O virtuoso dominará o espaço e o tempo desenvolvendo a bicorporiedade a semelhança de Afonso Maria de Liguori, Antônio de Pádua eEurípides Barsanulfo, cujos feitos foram atribuídos erroneamente à mediunidade, os quais, na verdade são atributos dos espíritos iluminados.
        Dotado de maior lucidez, reconhecerá o Magnetismo como o poder que desata os laços constritores da alma e descerra as portas do mundo invisível, e que, segundo Leon Denis é a força que em nós dormita e que, utilizada, valorizada por uma preparação gradual, por uma vontade enérgica e persistente, nos desprende do pesadume carnal, nos emancipa das leis do tempo e do espaço, nos dá poder sobre a Natureza e sobre as criaturas.

        Por isso mesmo a mediunidade já está quase extinta, justamente para que os homens, agora abastecidos pelas informações trazidas pelos canais mediúnicos, caminhem com os próprios recursos em busca das virtudes que os consagrarão homens de bem a serviço do Criador na Terra.
        A partir daí sim entraremos definitivamente na era do Homem Integral e o conhecimento espírita terá cumprido sua missão ocupando lugar de destaque na cultura humana, suscitando a religiosidade cósmica que desenvolverá uma sociedade justa e lúcida onde a Ciência saberá reconhecer o Autor das Maravilhas do Universo.

Nelson Moraes